Testando, um, dois, três!!!


segunda-feira, 6 de abril de 2020

O Paciente 1

O paciente 1

Hoje, 5 de abril, em Montes Claros, foi oficialmente confirmado o paciente 1.
Em casa, desde 16 de março, somatizando frustrações com o trabalho, imaginei que o paciente 1 mudaria tudo. O grande corte entre o inimigo estar ou não estar aqui.
O problema de tudo isso é que o inimigo é invisível. Sem testes, estamos em uma guerra sem armas; e não há novidade em saber que, sem armas, um exército sucumbe. Nada mudou saber se o inimigo está, de fato aqui, porque, sem testes, já havia uma certeza  de que ele rondava, sufocando já os suspiros daqueles mais desavisados.
Estamos numa guerra sem armas, contra um inimigo invisível, que ataca lentamente. Então, muitos duvidam de sua letalidade. Todavia, o seu ataque é sutil. Ele instala-se em um ser humano; o recodifica e o torna uma máquina de transmissão em massa de recodificação humana virulenta. Tudo dando certo, após a transmissão, mata-o asfixiado.
Entre sorrisos, abraços e beijos, apertos de mãos e micropartículas que voam após serem expelidas no processo de fala, tosse ou espirro, os vírus voam em direção àqueles que o humano contaminado ama ou odeia. Não veem classe social, cor, etnia, idade, ou se são pessoas de direita ou de esquerda. Apenas contaminam.
É claro que nem toda "democracia" é perfeita. Ricos e jovens, apesar de atingidos, são os mais propensos a matar muita gente sem morrer. Alguns fazem questão de servir ao exército do vírus: não levam a sério as recomendações, fazem festas e chamam os amigos, vão caminhar na praia, visitar os pais. Não lavam as mãos; nem para limpar o sangue que escorre delas.
O paciente 1 é o típico brasileiro médio. Desconfia de fontes seguras: "isso é exagero da mídia", dá de ombro aos avisos, imagina-se indestrutível: "isso não chega aqui; isso não acontece comigo". E assim, dando de ombros para o aviso dos filhos, o paciente 1, idoso, sem comorbidades, viaja, para passear, em março, para São Paulo, um dos prováveis epicentros da epidemia por aqui.
O idoso viaja tranquilo de sua invencibilidade.
E, na sua invencibilidade, retorna no dia 16, muito provavelmente de ônibus, compartilhado com mais 40 pessoas, entre homens, mulheres, jovens e idosos, a sua mortal respiração. Utiliza o banheiro, passa a mão no rosto, fala ao celular, desce nas paradas, pega em um produto, em outro, e em outro, para escolher, senta-se à mesa, põe a mão ali e acolá, respira tranquilamente, compartilhando o vírus entre os mais desavisados. Chega à cidade  - ainda sem casos, mas cheia de suspeitas e suspeitos. Entra em contato com seus parentes. Sente febre... mal estar. Procura o hospital e morre, executando o papel que o nosso presidente clama à população: saiam! trabalhem e trabalhem! É só uma gripezinha! O que é que tem uns 6 ou 7 mil morrerem? Os velhos que morrem! Não podemos quebrar a economia! Confiem em mim! - Ele suplica numa grande personificação política deste exército virulento que mata.
Dez dias depois, a expectativa também morre. O resultado do exame diz que é Covid-19.
E assim, o paciente 1 se multiplica.
Queremos acreditar que ele não contaminou mais ninguém; seus parentes não têm sintomas, estão isolados. Queremos que o paciente 1 seja um caso isolado. Mas a ilusão se desfaz entre a dupla camada de EPIs utilizados pela China; na mortalidade dos 87 médicos italianos; na história do homem que enterrou em poucos dias a mãe e a avó.
O vírus está aqui em algum corrimão. Num copo de vidro. No ar. Na ignorância. No egoísmo. Ele se multiplica.
O vírus está na ideologia lacrante que desdenha a ciência em prol de um fanatismo ululante.
Para os mais avisados, nenhuma novidade. Vejam a Itália, vejam a Espanha, vejam os Estados Unidos. Vejam a vida e a sua fragilidade.