Testando, um, dois, três!!!


quinta-feira, 13 de abril de 2017


Crônica 8 - 
Para além das muralhas do Brejo das Almas



A ficha 99 abria as portas para um mundo maravilhoso. De repente, não ocupava mais a cadeira. Andava por florestas com sacis e cucas, falava com a boneca, ou andava dentro de uma barca de poesia com animais de todas as espécies. Lá vinha eu, eu tava aqui, tava acolá, de mãos dadas com os livros.

Era a procissão diária. Devolver um livro e receber, em troca outro, com o qual, às vezes, mesmo que, advertidamente, deixava rolar comigo na cama ou acompanhava-me nas refeições. Era minha forma de desobedecer? É, podia ser. Sempre tive uma “veinha” meio rebelde... “De leve” também. Não me importava. O realmente importante era saber o tão esperado final da história.

Penso – agora – quão penoso deve ser para nós, rodeados de letras e palavras escritas, na verdade, bombardeados, ler um texto literário, ainda que “de leve”. Quantas vezes o whasapp ou facebook e sua explosão de imagens foram/são mais atrativos do que um texto imaginativo? Sinto-me, atualmente com desejos de quarta-série, quando, que, para ler, deveriam os livros vir abarrotados de figuras. Neste tempo, não sabia quem era Machado. Sabia quem era Monteiro e sua trupe! Bailarinava com Cecília Meireles no bater do Tic Tac do relógio... Cantava com Vinícius de Morais. Tinha pena do Burrinho Pedrês. Ao fim de tantas aventuras, a glória: a ficha da biblioteca estava quase completa! Acreditem. Naquela época, encher a ficha primeiro era um tipo de diversão para alimentar o espírito competitivo.

Anne foi uma das primeiras culpadas pelo desmoronamento desse mundo colorido e ilustrado no papel. Anne e seu diário. Seu triste diário.

Ao final da quarta série, formamo-nos. Este era o marco de adeus à escola, à professora única de todas as matérias, aos murinhos pintados de marrom e bege. Era preciso mudar de escola. Era preciso deixar o Eliseu e estudar no Tiburtino. Seguir era preciso, e este caminho era sem volta. No outro ano, estudaria na 5ª série A.

O marco livresco para mim, nesta fase, foi a troca dos livros com ilustrações para os livros sem ilustrações. As leituras leves de, no máaaaaaaaaaaaaximo 60 páginas, foram para mais de 100!!! Acreditem. Naquela época, eu folheava o livro e via chatas letras, letras, letras e palavras, palavras e letras. Bocejo no final.

Quem amava ler, desgraçou-se em lamentações. Cadê as figuras? Cadê?

Um dos primeiros livros que li foi o diário de Anne Frank. A resenha, no verso do livro, chamou-me a atenção. Baseava-se em fatos reais (isso sempre prendeu/prende minha atenção) e era sobre um campo de concentração (o que seria isso?). Hummm. Coçadinha de cabeça.

De repente, não estava mais em Francisco Sá, Minas Gerais, Brasil. Estava num porão/sótão, com Anne. Paredes cinzas, em algum lugar sombrio e frio, em um dos domínios da Alemanha, na Europa da Segunda Guerra Mundial. Cruzei todo o oceano atlântico e os anos, sem me mover do lugar.

Neste ponto, as figuras davam espaço a um processo de escrita chamado descrição. Processo que detalha aquilo que o leitor precisa ver e sentir. As muletas que tanto me carregaram deixaram-se ali de existir. Os livros sem figuras abriam às portas da minha própria imaginação.

Não fui de ler Machado. Fiz isso na Faculdade. Lia Agatha Christie, Jô Soares e por aí vai. Leituras julgadas assim como o Harry Potter de hoje. Os cânones, cânones vieram mais tarde. Bem mais tarde. Às portas da faculdade. Vieram no momento que tinham que vir.


O mundo somente de letras nos permite uma leitura mais codificada do mundo. São segredos mais bem guardados. Muitas vezes, exigem borbulhas calorosas de nosso cérebro a tentar entendê-las. A inteligência sempre está perto disso. Permitir-se à conversa de esquina, entre vizinhas, do Whatsapp, e ao glamour da vida alheia no facebook não nos exige muito. Por outro lado, um livro sem figuras? É de arrepiar...


sexta-feira, 31 de março de 2017

Crônica 7 – Meu primeiro amor – parte I


Sim, ele morre no final. E morre por uma picada de abelha. Ela está lá, assistindo a tudo, sentindo aos últimos instantes de sua presença. Em alguns instantes, ele não estará mais lá. Em algum instante - qualquer - nunca mais ele estará lá e nunca mais eles viverão a troca de olhares, os bilhetes, o toque da pele com a pele, os abraços, os micos, a entrega, as piadas, os beijos, o amor. Possivelmente, quem já tem 30 anos ou mais já deve ter assistido a esse filme. Quem ainda não o viu, ainda pode vê-lo, apesar de, por causa deste texto, já saber o seu final.
Parece brega, mas preciso falar sobre o amor.
A sociedade precisa falar sobre o valor do amor.
Urge.

Há aproximadamente 25 anos atrás, no jardim de infância, senti algo diferente de tudo. Queria estar sempre ao seu lado, brincar com ele, me divertir com ele. Por quê? Por que ele tinha um bom humor maravilhoso. Eu ria litros! Eu me sentia tão bem ao seu lado, que sentia um apertozinho quando ia embora. Às vezes, pegava-me o olhando e pensando: “será que ele sente um pouquinho do mesmo que eu sinto?”

Naquela época, as coisas funcionavam assim: eu levava minha merenda e metade era para ele. No jardim de infância, os pirulitos de mel que comprávamos na escola, docílimos e muitíssimo bons (hummmm), eu comprava para mim, para minha prima e para ele (às vezes, para o amigo dele, para não dar muito na cara). Isso tudo era correspondido? Sim, é claro (pelo menos na minha mente).

Ele guardava uma das 4 melhores cadeiras da sala do pré-escolar para mim e minha prima (olha Fernanda de novo na crônica!). Eu sentava ao seu lado. Sentia-me lisonjeada, poderosa (risos eternos). Além disso, no recreio, ele me defendia do meu primo (Marquim), que sentia um prazer danado em puxar o meu cabelo, bater em mim, dar-me beliscões... Era só gritar por ele, e meu primo corria, porque sabia que iria apanhar feio!

Não havia beijo. Era um amor platônico? Eh. Era sim. Mas havia borboletas no estômago, havia um arrepiar ao sentir o toque, havia o sonhar em um dia estar ao seu lado para sempre. Sabe o companheirismo? A amizade? Havia. No meu caso, uns dois, três anos mais tarde, ainda havia o desejo por um beijo, ainda que um selinho... Mas esse beijo nunca ocorreu. Na verdade, esse beijo aconteceu anos mais tarde, com OUTRA protagonista, acho que... na terceira ou quarta série.

O que eu aprendi com toda essa espera? A sentir uma dor, persistente e latente. Uma dor que questionava a forma como o mundo girava... A sala cantava o “beija” para os dois. Parecia que tudo conspirava para os dois. Eu sobrei. Hoje, até que enfim, já rio disso (mentira, já faz algum tempo que rio sim). Se chorei, não lembro. Mas sofri muito ouvindo essa fita K7 no walkman (novinhos, googlem para saber o que são esses palavrões que a tia postou, ok? ):

Na quarta-série, fazíamos muitas chacrinhas. Geralmente, elas rolavam na casa de Marcelly e na casa de Guilherme. Esporadicamente, em outras. Meninas levavam salgados e meninos refrigerantes (não éramos fitness! Tudo frito e com muito gás!).

Beeeeeijos ainda não rolavam, mas essa fita K7, e outras, rolavam muito. Em uma parte da chacrinha, rolava uma música lenta, igual àquelas de baile de formatura de filme americano. Os meninos colocavam as mãos nas cinturas das meninas. Nós, envolvíamos os braços em seus pescoços e deixávamos a cabeça cair em um de seus ombros. Sentir o toque de outro, o olho no olho, pelo menos para mim, era beeeem mágico. Você sentia o cheirinho da pessoa. Em uma dessas chacrinhas, dancei com ele duas vezes. Pensa numa pessoa que chegou em casa feliz? Até postei o evento no diário. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Depois da música lenta, axé! Rolava muito axé, né, minha gente!!!! Pois ninguém é de ferro. Aí, era segura o tchan e amarra o tchan, tchan, tchan! Ainda me pergunto como nos tornamos pessoas de bem. kkkk, Acho que porque tínhamos música para tudo e o tempo para tudo. 

Esse meu primeiro amor durou até a sexta série. Não me recordo bem, mas acho que foi quando ele foi estudar em Montes Claros e o sentimento foi morrendo, morrendo, até que se findou. Estudamos novamente no terceiro ano, mas aquela batida do coração não existia mais. As borboletas voaram e despovoaram meu estômago. Na verdade, naquela época eu amava outra pessoa. Amava de um amor correspondido. Meu primeiro amor correspondido.

O tempo passou e tratou de dar fim ao meu primeiro amor, mas, em minha memória, ele ficou e ficará guardado com todas essas firulas. Guardo-o com todo o carinho em uma de minhas caixinhas de lembranças, decoradas com o enredo que só o tempo é capaz de dar, já que as emoções ficaram no meio do caminho, em algum lugar. Agora o vivido tornou-se somente nostalgia.

No meio disso, desses amores que vêm e vão, lembro-me de, num momento de crise, ter ouvido de alguém que o amor acaba. Vou vivendo e vendo pessoas trocando de amor de tempos em tempos (eu também estou nessa). Vivendo e ouvindo as piadas sobre casamento. O amor realmente acaba? Lembro-me, agora, de meus avós e de um longo casamento que perdurou e passou pelo surgir das rugas, os altos e baixos de suas fases, a criação dos filhos, o trabalho, os netos, até a separação pela morte. Hoje, viver com alguém até a morte parece ser ruim. Será? Esse exemplo me diz que não.

O meu tom parece, além de nostálgico, meloso, fantasioso, sonhador. Envolto de ilusões e imaginação. Mas não dá para falar de amor se não for assim. Pensando nisso, lembrei-me, e não sei porquê, da bainha de mielina, das aulas de biologia, e de sua função protetiva do neurônio (do nada, uma lembrança de 12 anos atrás...). Célula cuja função é proteger o axônio, que fica no neurônio. Segundo o wikipedia, sua perda provoca impulsos nervosos mais lentos, curtos-circuitos, bloqueios de transmissão dos impulsos nervosos. Deficiências. A biologia está a meu favor.

Sem os sentimentos genuínos, a vida também parece ser assim.

A descartabilidade, o culto ao desapego, e a preferência pela quantidade em detrimento da qualidade, vividas e festejadas eternamente nas baladas, pelos adultos, valem tanto a pena assim?

Passemos ao meu 2º amor...